terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Infinitos - Fernando Pessoa


ABDICAÇÃO


Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Reticencia

Eu queria pensar em algo.
Pra dizer o que é,
ou será,
que foi um dia?

Algo pra falar de mim,
ou do mundo.
Talvez só,
de você.

Queria algo menos
confuso de mais
pra descrever
o que disse.

Infinitos - Ruy Espinheira Filho

SONETO DA JUSTIFICAÇÃO
(Ruy Espinheira Filho)

a Mário Vieira

Esta noite (ele pensa) justifica
— com seu luar abençoando os ramos
do pé de carambola — os estertores
de que surgiu o Universo. Fica

tudo, tudo (ele pensa) redimido.
Deuses. Deus. O Acaso. Não importa.
Valeu (eis o milagre em sua porta!)
a pena que custou a gestação

deste momento. O qual lhe justifica
(ele suspira), enfim, a paciência
de — até chegar a este luar nos ramos —

ter (calcula) esperado cinco décadas,
sessenta dias e, fechando as contas,
alguns punhados de bilhões de anos.