Esse Vídeo tá rolando no facebook a alguns dias, e eu resisti em assisti-lo. Hj não aguentei a
curiosidade e acabei vendo. É meio fofinho, uma menininha branca, linda por
sinal, com seu cabelo liso caindo no rosto, falando chorosa, trocando o R pelo
L, que quer ser negra.
Há uma comoção com a
cena e as pessoas compartilham orgulhosamente, e quase com orgulho da Maria,
que nem conhecem, pois ela supostamente conseguiu desde cedo vencer as
barreiras do preconceito. As pessoas se comovem tanto com a Maria dizendo que
quer ser negra pois a pele negra é bonita, que nem percebem que ela quer ser
uma negra de cabelos loiros. (Guardem essa observação)
O nome do vídeo
salienta essa comoção com a "vitória do bem contra o mal". "Um
tapa na cara do preconceito" parece querer dizer que o racismo foi
humilhado diante da tolerância e da inocência dessa criança. E que todos
devemos seguir esse exemplo pois essa sim é a maneira de mostrar pros porcos
racistas que somos boas pessoas e queremos viver em paz e amor com todos
independente da cor da pele.
Aqui preciso de uma
pausa para fazer uma explicação. Não compartilho com a teoria que alguns pregam
de que o preconceito e o racismo acabou, que isso tudo não passa de luta vazia
e que todos são tratados como iguais independente da cor da pele. Eu acredito
que existe racismo sim, que o preconceito está presente no dia a dias das
pessoas negras e que lhes causa sofrimento. E sim, que deve ser combatido até
que um dia, que infelizmente não acredito que seja por muito cedo, realmente
não exista mais.
Explicação feita, posso continuar. Fico imaginando qual
seria a reação se uma menininha negra, também linda como a Maria, talvez de
nome Marta, com seus cabelos crespos e sua língua presa a fazendo trocar o R
pelo L aparecesse num vídeo anunciando chorosa: “Eu quelo ser blanca!!!”. Consigo
visualizar os comentários a baixo das postagens: “Que absurdo, isso é o que a
mídia faz com nossas crianças.”, “a rede Globo só coloca os negros em papeis
secundários, dá nisso.”, “Num pais onde a maioria é negra ainda temos que
presenciar cena lamentáveis como essa.” E muitos outros. Não! Ninguém acharia
fofinho, ninguém elogiaria. Alguns menos sensatos culparia a criança pelo seu
auto- preconceito precoce, mas a maioria, com certeza, vitimizaria a pobre Martinha por estar sendo criada numa
sociedade racista, numa família despreparada e diante de uma mídia alienante.
Aqui entra a observação que eu pedi para guardar lá no
segundo paragrafo. A Maria quer ser negra com os cabelos loiros. Não como a Lúcia,
que é sua baba, ou a sua chará Maria que trabalha na cantina da escola. A Maria
quer ser negra com cabelos loiros, como a Beyonce, como a Naomi, como a Tais. A Maria, assim como nossa imaginária Marta, é
fruto da mesma mídia massificante e alienante. Ela assiste as mesmas novelas,
ela brinca com as mesmas barbies e ela vê os mesmos desenhos animados. Quando a
mamãe vai no salão tanto Maria quanto Marta folheiam a mesma Caras mostrando as
mesmas bundas. (Pequena observação que pode parecer contraditório com o resto
do paragrafo: Na verdade, se você prestar bem atenção o querer ser negra de
Maria tem um motivo simples: ela acha a pele negra bonita, e isso pode não ter
nada haver com a mídia também.)
Mas esse texto não é sobre a podridão da mídia. Mas sobre a
falta de reflexão e o maniqueísmo burro (desculpem os amigos que postaram o vídeo,
mas eu realmente acho isso) que aprendemos e que nos desvia o olhar. Que faz
com que olhemos para o racismo, ou qualquer outro preconceito, como se fosse um
demônio que se enfraquece com vídeo bonitinhos e frases de protesto quase
vazias. Não é elogiando Maria dizendo que quer ser negra, nem criticando Marta
que quer ser branca, que se combate o racismo.
A mãe até tentou convencer Maria que ela é linda sendo
branca, mas ela não podia se conformar com sua deficiência de melanina, e como
não somos ensinados a suportar um choro de criança a mãe acabou cedendo ao desejo
e prometeu uma tinta para deixa-la negra. Não, não precisamos pintar brancos de
negros para acabar com o preconceito. Precisamos manter os brancos, brancos, os
negros, negros , os índios, índios e os Japoneses, de olhos puxados. E
precisamos ensinar que não é isso que importa. Precisamos de mãos diferentes dadas,
não de mãos iguais separadas. Precisamos menos de dias da consciência negra,
que pra mim tem um papel de colocar as diferenças a tona, e mais de dias da consciência
Humana para mostrar o quanto somos iguais, e lindos nas nossas imperfeições.
Uma lasanha congelada é até bem gostosa para um almoço rápido, é só colocar no micro-ondas e em alguns minutinhos pode deliciar-se. Mas falta alguma coisa. talvez um frescor de manjericão. Da pra fazer um bom sanduíche com sardinha enlatada, mas por mais que esprema aquele óleo sempre deixa um toque artificial. Sempre falta algo, ou excede algo no que já está pronto previamente.
É, comida pré-pronta até passa. Mas sentir é algo muito pessoal pra ser feito por outro, é algo muito imediato para ser feito previamente. Meu sentimento é só meu e eu só sinto no agora.
Comodidade tem limite. Nos acostumamos tanto com os enlatados que começamos a enlatar palavras. As congelamos, mas ao contrario da lasanha não da pra esquentar palavras no micro-ondas, nem no forno, nem na sanduicheira ou na torradeira. Palavra só fica quente quando é dita por quem a sentiu.
Não fazemos mais cartões de mensagens, nós os compramos e agora nem mais escrevemos neles, pasmem!!! Eles já vêm prontos!!!! Eles vêm com mensagens enormes, que falam de mais e não dizem absolutamente nada. Mensagens que os ocupam completamente. Sorte que ainda vêm com espaço para a assinatura ainda que em alguns esse lugar é determinado pela sigla: ASS:
Pode-se argumentar que algumas pessoas não têm o dom da palavra. Isso pode até ser verdade. Mas acho que na verdade as pessoas não têm é habilidade de entrar em contato com seus sentimentos e muito menos de expressa-los. "Dom da palavra" só se aprende lendo e escrevendo, mas isso da muito trabalho e eis ai outra inabilidade que adquirimos. Somo Muito Preguiçosos!
Mas do que eu estou falando?
Estou falando que é quase impossível comprar um cartão que tenha espaço para nossas próprias palavras! Mas isso é um reflexo da falta de habilidade que temos hoje em dia, e do estado preguiçoso em que vivemos. As comodidades aleijaram nosso sentimentos! E as muletas que nos dão não se ajustam a nosso tamanho!
PS. Esse desabafo foi escrito a algum tempo e não postei porquê não tinha gostado de como escrevi. Depois de algumas adaptações feitas agora, acho que está legível!